O caso Ford e a evidência de que o Brasil ainda tem muito a aprender sobre gestão
- Pedro Papastawridis

- 13 de jan. de 2021
- 5 min de leitura
No começo desta semana, a Ford anunciou que encerrará suas atividades de produção de veículos no Brasil até o fim de 2021. Com isso, a empresa, considerada um dos ícones do capitalismo ianque e uma das impulsionadoras das práticas de administração científica, encerra uma história de mais de um século em nosso país, passando a atender a demanda local por meio de suas linhas de produção instaladas na Argentina e no Uruguai.
Um dos motivos alegados pela Ford para descontinuar suas linhas de produção no Brasil foi o aumento da capacidade ociosa de suas plantas industriais, consequência dos impactos socioeconômicos causados pela pandemia de Covid-19. Todavia, a perda de participação de mercado a nível global e o alto custo de se produzir um veículo em solo tupiniquim foram decisivos para a montadora sair de uma das 10 maiores economias do planeta e optar por investir em nossos “hermanos socialistas”.
Pois bem. Num ambiente de negócios marcado pelo livre mercado, organizações surgem para atender necessidades e buscam, dessa forma, obter lucro. Essa é a essência do capitalismo, gostem ou não os socialistas, os nacionalistas e os bolsonaristas.
No entanto, práticas de ESG (Environmental, Social and Governance) têm sido cada vez mais frequentes dentro de organizações por todo o mundo, o que reforça o compromisso das empresas em buscarem não só atender necessidades e lucrar com isso, mas também fazerem a diferença na vida das pessoas e das sociedades em que operam. Contudo, isso ainda é uma opção estratégica de cada organização e a Ford optou por não adotar as melhores práticas de ESG aqui no Brasil. É chato para o país ter que lidar com essa situação e triste para as pessoas que perderam os seus empregos, mas é uma constatação que precisa ser frisada.
Dito isso, voltemos à nossa realidade nacional. Perdemos bilhões em investimentos e milhares de postos de trabalho com essa decisão da montadora americana. E isso aponta para um problema estrutural que vem se agravando nas últimas duas décadas: a perda de competitividade brasileira a nível global.
Para ilustrar o exposto acima, poderíamos nos valer de diversos indicadores: indicadores de liberdade econômica, análises de corrente de comércio exterior, crescimento médio anual ao longo das últimas décadas, etc. Entretanto, precisamos olhar para o que contribui para o nosso atraso competitivo e buscar corrigir imediatamente, sem o qual o Brasil estará condenado a uma situação socioeconômica marcada pelo anacronismo tecnológico, pela escassez de mão de obra qualificada e pela supressão da economia formal pelo informalismo e a marginalidade. E nenhuma cloroquina, grafeno ou nióbio serão capazes de reverter esse quadro a curto, médio ou longo prazo.
Mudar esse estado de coisas brasileiro é possível. Mas é preciso avançar em uma série de reformas que façam com que o Brasil siga na mesma trajetória de competitividade que países como Singapura, Coreia do Sul e a própria China trafegaram nas cinco últimas décadas. Para começar, é preciso reduzir o peso do Estado brasileiro na vida das pessoas, seja pela carga tributária imposta à população, seja pelo custo que pessoas e empresas do Brasil incorrem com serviços que o Estado deveria prestar com nosso tributos e não vem prestando.
A função de um Estado constituído deve se pautar para garantia da soberania, da defesa nacional e do mínimo existencial a seu povo. Nem mais, nem menos. Em vista disso, não faz sentido o trabalhador assalariado destinar quase R$ 400,00 por mês sob a forma de tributos para bancar os “rolezinhos” de moto e helicóptero de Bolsonaro, os voos em aviões da FAB de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre e as lagostas e vinhos de Gilmar Mendes. Aliás, essas figuras políticas deveriam trabalhar para bem servir a sociedade com o mínimo necessário. E não o contrário. Não somos vassalos, tampouco serviçais desses que estão no poder. Nós somos patrões deles, na medida em que pagamos seus salários para produzirem resultados em nosso benefício.
Diante disso, é preciso enxugar o tamanho dos gabinetes, as equipes de assessores e os valores dos contratos firmados em nome do presidente, dos governadores, prefeitos, senadores, deputados e vereadores. Em tempos de economia 4.0, de governo digital e do avanço do home office, torna-se imperioso cortar o veículo oficial, o combustível, os seguranças, os aspones e os jabutis de suas excelências, pois isso custa caro e não produz benefício nenhum para a população. Somado a isso, é preciso cortar ministérios, secretarias, empresas estatais e sinecuras pagas com dinheiro do povo para beneficiar agentes públicos que agem como se fossem nobres em torres de ametista. Eis a chave de uma reforma administrativa de verdade, baseada no corte de gastos públicos para abrir espaço para a redução do endividamento do país e da carga tributária de pessoas e empresas.
Também é preciso avançar numa reforma tributária que simplifique a vida dos brasileiros na hora de pagar impostos, contribuições e taxas, além de reduzir o peso da carga tributária. Se o gestor público quiser café quentinho e água gelada, que tome em casa! O mesmo raciocínio vale para os parlamentares, juízes, desembargadores, promotores, procuradores, etc. Afinal de contas, dinheiro do povo tem que ir para saúde, educação, segurança e defesa nacional. E não para bancar regalias. Agindo dessa forma, sobrará muita gordura para o Poder Público queimar e viabilizar a redução da carga tributária. E menos imposto a pagar resulta em mais dinheiro na mão do povo, que passa a investir mais no seu futuro e a gastar mais no supermercado e no shopping, o que se converte em mais encomendas para atacadistas e produtores e mais emprego e renda para todos.
Por fim, não podemos esquecer da reforma em nosso sistema educacional, tornando-o mais alinhado com as necessidades de uma economia mais globalizada e tecnológica. O jovem precisa sair do ensino médio sabendo falar e escrever bem português, inglês e espanhol (e mandarim, se restar tempo). Precisa saber mexer com editor de textos, com planilhas, com lógica de programação e saber calcular sem olhar para a calculadora ou o computador. E precisa desenvolver senso de cidadania e sustentabilidade, reconhecendo o seu lugar e o seu papel no mundo.
Sem avançar nas considerações feitas acima e prosseguindo com arroubos autoritários de políticos oportunistas, com a escalada da impunidade, com insegurança jurídica e de pessoas e com a ausência de previsibilidade do ambiente de negócios nacional, o Brasil se tornará em pouco tempo uma terra arrasada em termos socioeconômicos, tendo que lidar com os ianques avançando sobre os nossos negócios com a China, com nossos parceiros do Mercosul recepcionando empresas e investimentos antes destinados ao nosso país e com os europeus e os africanos ocupando o espaço que o nosso agronegócio corre risco de perder devido ao desmatamento de nossas florestas. E isso não tem a ver com ideologia, e sim com gestão (ou a falta dela no caso brasileiro).
Um forte abraço a todos e fiquem com Deus!





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