A ocupação e dominação de espaços da sociedade pelo crime organizado
- Pedro Papastawridis

- 27 de ago. de 2020
- 3 min de leitura
Suponhamos que você viva numa comunidade em que a máquina pública pouco se faz presente no dia a dia da população: faltam escolas e hospitais, o policiamento ostensivo é precário e a coleta de lixo ocorre em intervalos de tempo muito extensos. Apesar disso, as contas chegam, o carnê do IPTU também e os impostos que custeiam esses serviços continuam embutidos nos produtos que você adquire na mercearia ou no supermercado. Para piorar, a cada dois anos aparecem seres extraterrestres apertando a sua mão, beijando o rosto de crianças, gritando “Glória a Deus!” e pedindo o seu voto.
Ao fazer essa suposição e olhar para a realidade de cerca de 80% da população do Brasil, você vai começar a perceber que essa suposição é algo real para muitos, e não somente enredo de novela ou de produção acadêmica.
E como essa realidade, rodeada de serviços precários, IPTU e ICMS caros e seres extraterrestres que abduzem o seu voto, consegue perdurar por tanto tempo na vida de muitos?
Há duas formas básicas de conquistar e se manter no poder: pela força e pelo convencimento. Pela força, a pessoa assume o poder causando lesão física a outros. Quanto ao convencimento, a pessoa explora o racional e o emocional de cada um, fazendo os outros crerem que a resistência ao poder estabelecido causará mais danos do que benefícios pessoais.
Um caso concreto das duas formas básicas de poder observamos em algumas comunidades dominadas por narcomilicianos no Estado do Rio de Janeiro: de um lado, existem o político que atua na região e o líder que atua numa religião, ambos tentando conquistar e influenciar almas na base do diálogo e de citações bíblicas; do outro, existem narcomilicianos ameaçando, agredindo e executando moradores que não aceitam as determinações dos criminosos.
O exposto até aqui serve para mostrar como a ocupação e dominação de espaços da sociedade costuma operar em diversas regiões do nosso Brasil. O que começa com a ausência efetiva de um Estado, que só faz questão de aparecer nos tributos da nota fiscal e nas urnas em período eleitoral, descamba para a dominação e opressão de parcelas da sociedade por grupos que operam nas sombras do poder estatal. E não importa se a dominação é mansa, com palavras doces, promessas vagas e dizeres religiosos, ou violenta. Grupos que se consideram deuses da vida alheia passam a ocupar espaços esquecidos pelo aparato estatal, ampliam o controle territorial e, com o tempo, assumem influência sociopolítica local, regional e a nível nacional.
Se ainda estiver difícil de entender o raciocínio acima, pensemos no caso de duas das organizações criminosas mais ramificadas e perniciosas do país: o Primeiro Comando da Capital (PCC), com origem em São Paulo; e as narcomilícias do Rio de Janeiro, fruto da associação entre milicianos e narcotraficantes em diversas comunidades do território fluminense.
Responsáveis por diversas atividades clandestinas que começam no tráfico de drogas para os playboys de bairros nobres do Rio e de Sampa, passam pelo roubo de cargas e desembocam na exploração de prostíbulos, jogos de azar e atividades portuárias, PCC e narcomilícias movimentam fortunas que só vêm à tona e à mídia quando ocorrem megaoperações da Polícia Federal.
Apesar do trabalho diário das polícias espalhadas pelo Brasil, o que os nossos nobres agentes de segurança vêm neutralizando é só a ponta do iceberg, na medida em que o crime organizado também controla estruturas de inteligência e contrainteligência dentro e fora da máquina pública, advogados portadores dos melhores espumantes para magistrados e políticos portadores de uma boa retórica e de projetos políticos suspeitos. Com isso, só resta a policiais, promotores e juízes de bem enxugarem gelo e verem essas organizações criminosas se ramificando mais e mais, pelo Brasil e para o exterior.
Enquanto isso, o espaço do Estado nas comunidades vai ficando cada vez mais ocupado pela banca de drogas, pelo “menor do radinho” e pelo truco dos milicianos. Até um dia a ocupação de espaços sociais pelo crime organizado se tornar total no Brasil e em Brasília. Daí, será tarde demais para pedir prudência e sofisticação.
Um forte abraço a todos e fiquem com Deus!





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